Tum Cult entrevista: um bate-papo sobre arte, cultura e quarentena com Tania Meyer
A artista contou como tem passado a quarentena e expectativas pós crise
“Em uma determinada hora do dia eu vou tocar violão, cantar minhas músicas preferidas, faço minhas composições e poemas, vejo as minhas contações de histórias, leio os livros que estavam há um tempo no bidê esperando por mim… e assim vou levando essa minha quarentena, com força e fé no divino, nas pessoas, na ciência, na cultura e na arte”. Atriz, cantora, compositora, diretora de teatro, contadora de histórias e… professora. Assim é Tania Denise da Silva Meyer, uma obra de arte em forma de gente.
A artista nasceu em Santa Maria – RS e formou-se em Educação Artística com habilitação em Música e Teatro, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mas foi em Santa Catarina que continuou a sua trajetória. Em 1997 começou a trabalhar no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), no Campus Florianópolis, e não parou mais. Atuou como professora de teatro e de música, coordenadora de atividades artísticas, regente auxiliar do coral e diretora do Grupo Teatral Boca de Siri do IFSC. Além disso, foi coordenadora por 12 anos consecutivos de um dos um dos maiores eventos artístico-cultural da instituição na capital, o Didascálico – Mostra de Arte e Cultura do IFSC, o qual foi idealizadora em conjunto com os alunos, em 2001.
Em entrevista à Tum Cult, Tania fala da cultura em tempos de Covid-19 e conta que tem levado a pandemia a sério, pois percebeu que é uma situação completamente nova para todo mundo. Considerada grupo de risco, ela afirma que tem tomado os cuidados necessários para prevenir o contágio: “Meus pais são do grupo de risco, ele tem 87 anos e minha mãe 83 anos, eu também sou do grupo de risco, estou com 62 anos de idade. E isso me fez tomar um posicionamento de muito cuidado comigo e com os outros”, conta.
Ela está isolada em sua casa, em São José, na Grande Florianópolis, onde reside há 31 anos, e tem se mantido informada sobre a doença e as medidas de prevenção, como a higiene das mãos, dos locais e objetos, uma boa alimentação e o distanciamento social. Mas tudo com otimismo e descontração, que aliás, é uma característica de Tania. “Eu procuro encarar esse isolamento social com otimismo, fé e a esperança que vai passar. Utilizo o lema viver um dia de cada vez, não é nada fácil ficar tanto tempo em casa, sem sair para nada, ter que cozinhar para você mesmo, eu não sou muito da cozinha, limpar e fazer todas as tarefas que envolvem uma casa é bem diferente do que era o meu cotidiano, em que o meu trabalho e as minhas atividades eram todas fora de minha casa. Mas eu percebo que estou me saindo bem e vejo também que o fato de ser artista e trabalhar com arte tem me ajudado muito a enfrentar esse enorme desafio”, relata.
O papel do artista
O tempo de repente ficou com mais tempo. Há quase um mês isoladas, as pessoas estão reinventando a realidade. As sacadas viraram palcos. Os celulares apontados, brindes coletivos. As lives, os novos canais de TV. As janelas, pontos de encontro. E a arte, o refúgio em meio ao caos. Para Tania, as pessoas “tem se utilizado da arte para transmitir seus sentimentos aos outros e até mesmo dar força, para que as pessoas consigam superar, com alegria através da arte, essa triste época que estamos vivendo”.
Canções são entoadas nas varandas ao redor do mundo como nunca se ouviu antes. E mais uma vez a música prova ser um portal de conexão e uma saída para amenizar o confinamento. Afinal, o que seria de nós, trancados em casa, sem música? Tania responde: “O artista é fundamental para a nossa sociedade, ele é quem produz a arte e a cultura e a divide com os demais, para assim somar e multiplicar aos nossos sentidos a beleza de sua arte e deixar fluir os nossos sentimentos de alegria, tristeza ou qualquer outro sentimento, bem como também diminuir a nossa tensão, estresse e solidão”.
Cultura afetada
A cultura já vem há duras penas no Brasil há alguns anos, ainda que gire a roda da economia e empregue milhares de pessoas em diversos setores da cadeia produtiva. Nesse momento de crise, os impactos são ainda maiores. Diante dos cancelamentos de shows, espetáculos e eventos culturais, os prejuízos são incalculáveis para os artistas, produtores, iluminadores, figurinistas, costureiras, maquiadores, cenógrafos, técnicos de som e imagem e tantos outros profissionais envolvidos. Preocupada com a situação, a artista questiona: “Como ficam esses profissionais e suas famílias nesse momento? E quanto tempo as pessoas/artistas e os espetáculos podem esperar? Quanto tempo isso vai durar?”. Diferente dos outros países em crise, o Brasil ainda não divulgou um plano de ajuda aos profissionais do setor cultural.
Professora durante 38 anos, Tania também foi conselheira de cultura de políticas públicas pelo poder executivo de Florianópolis de São José, e acredita na democratização da arte para formar um “público crítico e que saiba valorizar o nosso artista, que ele seja reverenciado, respeitado em todos os momentos da nossa existência”. E complementa: “ainda tem o agravante de que muita gente considera a arte sem relevância, um robe, supérflua, sem importância e, portanto, não há por que se preocupar. Mas nós sabemos que não é bem assim e isso nos deixa muito apreensivos”.
Caminhos possíveis
“Para gerenciar e minimizar a crise no setor da arte e da cultura, nós devemos seguir o caminho da solidariedade, da união, da empatia, da resiliência e da criatividade”, diz a cantora, que também faz parte do grupo musical “Portal do Choro” e do grupo musical “Os Mesmos”. Ela acredita que é tempo de “utilizar da tecnologia para nos aproximar e mostrar quem somos, onde estamos, como estamos, o que estamos fazendo, para então somar, multiplicar, dividir e subtrair nossos problemas”. E é o que ela tem feito. Na quinta-feira, dia 2 de abril, Tania divulgou em uma live no instagram a nova composição, chamada “Quero dizer que te amo”. Na letra, que condiz muito com o momento, ela canta: “Mãe, antes que esqueça, quero dizer que te amo… Pai, antes que esqueça, quero dizer que te amo…” e assim por diante, citando várias pessoas em um gesto de carinho.
Como uma nata contadora de histórias, ocupante da cadeira de número sete da Academia Brasileira de Contadores de História (ABCH), criatividade é a peça fundamental “para solucionar as questões que surgem com o decorrer da crise”, argumenta. Fato é que o isolamento além de estimular a criatividade, tem despertado o altruísmo e diversas ações solidárias no mundo. “É como se fizéssemos uma música em parceria, cada um contribuindo com sua rima, melodia e ritmo e no final tocamos e cantamos em conjunto, onde para dar certo e sair bonito, cada um tem que fazer a sua parte com boa vontade, dedicação e maestria”, analisa.
Quando falamos em pós crise, ela é pontual sobre a retomada das atividades e das relações: “Minha fé é que depois que tudo isso passar, tenhamos um novo relacionamento com nossos artistas e nossa arte e cultura, que possamos respeitar, valorizar e prestigiar os artistas, seus espetáculos, shows e eventos, através da nossa presença fundamental de público pagante, ativo e participante aplaudindo e pedindo bis”.
Fica o nosso bis para você, Tania.