Tum Cult entrevista: Rohmanelli, o italiano que cantou o Brasil

Postado em 03/06/2020, 17:53

Ele tem um estilo único e uma voz forte. Sabe ousar nas letras e causar nos clipes. Dança como poucos e interpreta como os melhores. Tem um discurso ácido e uma arte transgressora. E a brasilidade que ele tem, muitos brasileiros não têm. Ele é dedo na ferida e festa de carnaval. Ele é tudo isso e muito mais. Ele é Rohmanelli.

Transpassa padrões

Misturar é com ele mesmo:  gêneros, linguagens, idiomas e artistas. Dispensa estereótipos e gosta do inusitado: “Minha pegada é muito pesada sempre, vai além do que a gente espera do pop”. E vai mesmo, é  o Transpop.“Tive sempre muita dificuldade em me encaixar em qualquer tipo de padrão, grupo etc, isso em tudo na minha vida, desde criança. Sempre faço o que acho necessário, bom, coerente para mim. Na música é o mesmo, eu misturo muita coisa, eletrônico, canto lírico, rap, punk, dance music… ainda que tenha uma forma pop de escrever”, explica o artista. As letras, inclusive, estão longe do senso comum. Se não quiser questionar os padrões sexuais, amorosos, políticos e religiosos da sociedade, nem desce pro play.

Identidade artística na íntegra

Que o artista une estilos musicais muito bem, a gente já sabe. Mas ele também mescla países com o seu jeito nômade de ser. Apesar da sede de mundo, nasceu em Villa Littorio, uma pequena cidade no sul da Itália, onde morou até os quatro anos de idade, antes de se mudar para Bérgamo. Mas há 22 anos, o italiano adotou o nosso país de origem como o seu de coração.

Da sala de aula para os palcos, o professor universitário Sergio Romanelli estudou música erudita e canto lírico, mas foi em 2014 que começou a carreira na música, com a banda de rock alternativo Vita Balera, com quem lançou um EP homônimo em italiano. Quando a banda terminou, o artista viu a oportunidade de focar no projeto solo de música eletrônica alternativa ao lado do produtor e músico argentino Jeronimo Gonzalez. É que ele queria mais! Mais expressão corporal, performance, figurinos, teatralidade. Para o artista, esses elementos são tão importantes quanto a música para contribuir com um fato artístico. “Quando a gente sobe num palco, não está só cantando bem uma música com microfone, está cantado com corpo, gestualidade, olhar, roupa, luzes… se isso tudo não estiver coerente entre si estaremos simplesmente cantando uma música”.  Dessa união entre estética, figurino, letra e música, nasceu Rohmanelli. 

O projeto deu às caras com o álbum “Anomalous”, em 2016, com a maioria das músicas em inglês. Já em 2018, lançou “Fanatismi”, disco em italiano que lhe rendeu parcerias com DJs, produtores e músicos não só do Brasil, mas da América do Sul e da Europa. Agora, chegou a vez do disco em português: BRAZIL’EJRU.

Um italiano abrasileirado

O projeto vem tomando forma há cerca de três anos, com a ajuda do produtor musical, Binho Manenti.  A sintonia entre músico e produtor aconteceu já no primeiro single, “Macho Discreto”, em parceria com o rapper Raphael Warlock. Com os temas liberdade de expressão e visibilidade LGBT, a música deu o que falar em 2019 e alcançou cerca de 100 mil visualizações no Youtube e mais de 250 mil streamings no Spotify.  “Trabalhamos nela dois anos, foi um trabalho de criação enorme, mas acho que é a que reune o som que representa todo o projeto, um pop ácido com pegada punk”, diz. 

Segundo o músico, ele e o produtor já têm cerca de 20 músicas na manga. “Buscamos um novo som, a partir do timbre da minha voz e das minhas referências… algo que soasse como novo aqui. À medida que fomos pré-produzindo, foram surgindo mais músicas de compositores do Brasil e aí fomos testando, gravando”. Por isso o artista se refere ao trabalho não só como um álbum, mas como um grande projeto, pois algumas músicas sairão apenas como singles.

Sobre o nome BRAZIL’EJRU, o artista faz questão de explicar: “é a transcrição fonética da palavra brasileiro, como pronunciamos e não como escrevemos, pois nesse projeto, risco contar uma verdade e não uma ficção”. A escolha do idioma é uma homenagem à relação que construiu com o país, mas também é um desafio: “Precisei tomar coragem. Compor e cantar em português, já que moro aqui há 22 anos, era necessário, mas tem sempre a questão de não ser minha língua materna, do sotaque… Mas isso já se tornou uma marca, cada um tem seu sotaque, inclusive todo brasileiro tem um, o cantor da Bahia, de Minas, carioca etc”, revela. 

Misturar faz parte não só da vida dele, mas do novo trabalho também. As músicas tem participação de diversos artistas, compositores e produtores, como Warllock, MC Versa, Jean Mafra, Orquidália e muitos outros. Aliás, já foram lançadas Desvendar, Toneaí e Mantramovimento, além de Macho Discreto.

Sobre o lançamento, ele afirma que ainda não há uma data definida: “Era para ter saído até final deste ano, mas agora depois do Corona, acho que irá para 2021”. É, vamos ter que esperar mais um pouquinho.

Cultura, música e arte: sobrevivendo à quarentena 

Embora o coronavírus vá atrasar a divulgação do novo álbum, essa não é a sua maior preocupação. A mãe e uma parte da família do artista moram em Bérgamo, na Itália, epicentro da pandemia. Para ele, toda esta crise mundial é resultado da ação humana: “meu novo projeto é sobre isso, essa situação absurda e indigna em que o Brasil e o mundo como um todo estão, com a volta de ideologias opressoras e desumanas, isso tudo me assusta muito, me irrita, me irrita a indiferença e o egoísmo das pessoas, a falta de respeito para o outro e para o meio-ambiente, o Corona é uma consequência disso tudo, a culpa é só nossa, o homem é artífice do seu destino pra bem e pro mal”.

Mas ele segue em frente, de mãos dadas com a arte: “Tento evoluir, como todos deveríamos fazer e não viver como seres irracionais o tempo inteiro: componho, escrevo, gravo, leio, estudo, escuto muita música, assisto filmes, falo com meus parentes e amigos, danço, alongo e penso…”.Ou seja, respira cultura. Pois é ela que proporciona uma sociedade crítica, através de conhecimentos, reflexões e questionamentos. E é ela também que nos dá força para passar por esse período obscuro e voltar abastecidos de arte. “Poderia fazer músicas mais simples, populares, neutras, mas não estaria sendo coerente com meu propósito… Canto o que vivencio, o que me emociona, o que me irrita e tento mudar ele através do que escrevo”, afirma.

Música antes, durante e depois

Mas enquanto o mundo não muda, ele segue lançando trabalhos. O mais novo é o EP Love (On the Dance Floor), divulgado no dia 24 de abril, em parceria com produtor italiano Alex Contri. Em seguida, deve sair outro single do projeto BRAZIL’EJRU, “Do jeito que o mundo está”, em parceria com os rappers Warllock e Ggoss e com o produtor de São Paulo, Graça. É claro que a faixa virá acompanhada de um videoclipe do Antonio Rossa, que já dirigiu outras produções do artista.

Para o pós crise, Rohmanelli pretende voltar com tudo. Divulgar as músicas novas, finalizar a gravação do novo material e o principal: retornar aos palcos. “Isso é o que mais me deixa feliz, estar na frente de um público entretendo e emocionando, acho que na volta todos precisaremos muito disso”, conclui. Acho que todo mundo concorda.