O DIA EM QUE FAREMOS CONTATOS (OU CONEXÕES)
Por Marcelo Fruet
No dia em que eu entendi o que é uma narrativa bem construída, minha vida mudou. No dia em que eu entendi o entrelaçamento psico-emocional entre expectativa e recompensa dos mamíferos, meu mundo ampliou consideravelmente. Quando aprendi que olhar para o outro era (não só) olhar para mim, mas também me olhar, pelo olhar do outro, bom… nesse dia, sim, eu renasci.
Introduzi o texto com essa confissão pessoal no intuito de trazer à luz habilidades que considero essenciais para produtores, artistas e, talvez, qualquer ser humano da pós-modernidade. Afinal, quem está livre de ser abduzido por uma narrativa psicoemocional super egoísta nos dias de hoje? Ninguém.
Tá, mas o que isto tem a ver com música?!
Buenas, acontece que a maioria das artistas e musicistas de hoje precisam desempenhar vários papéis comitantes até, talvez um dia, terem o luxo de se dedicarem apenas às suas atividades principais, certo? Isso quer dizer que, enquanto precisam expressar seus valores e sentimentos através de sua música, também precisam administrar suas carreiras, contar suas histórias e se reinventar a todo momento, ao mesmo tempo em que pagam os boletos que estão sempre na data limite! Fora aquelas que ainda são mães, pais e pais e mães das suas mães e pais, enquanto isso!
Difícil né?
Imagina ainda que é preciso separar o cérebro entre questões intuitivas, subjetivas e sensíveis da criação/interpretação artística e os afazeres objetivos, estratégicos e matemáticos do dia-a-dia. Melhores desejos e piores decisões e vice-versa. Haja GPS!
É bem no miolo desse desespero que surgem as respostas. Mas somente para aquelas pessoas que aguentam insistir até elas (as respostas) chegarem. Então…
Ponto nº 1: INSISTÊNCIA!
Mas só a insistência não garante nada. Precisamos adquirir a habilidade de olhar, ao mesmo tempo, para o todo e para o específico.
Ponto nº 2: OLHAR ESTRATÉGICO.
Só que assim arriscamos perder nossa subjetividade, o que nos levaria a algo insosso, sem emoção e, principalmente, no qual não mais nos reconhecemos. Não podemos deixar isso acontecer.
Ponto nº3: PROPÓSITO e AUTENTICIDADE.
Apesar de ser maravilhoso mergulhar no self, se lembrarmos do segundo ponto, entendemos que a maneira como expressamos nossa mensagem precisa fazer sentido pra outras pessoas, né? Mas quem são essas outras pessoas, afinal?!
Ponto nº4: NICHO. De mercado? Também, mas o importante é entender que o nicho é de linguagem, de cultura, de valores, de capital social, de valores compartilhados por um grupo x ou y.
“OK, descobri meu nicho… e aí?? Falo as coisas mas não prestam atenção.”
Provavelmente tá faltando emoção. “…mas eu tô emocionado!”
É que falar de emoção usando a razão é complexo demais. Existe a sua emoção interior, ok. Mas você precisa levar o espectador, o ouvinte, o “outro” para dentro da sua emoção. E ele não mergulha nessa piscina. É preciso conduzi-lo, às vezes suavemente, outras nem tanto, mas ele precisa passar por cada “porta sensibilizadora” até estar imerso na emoção. Isso é possível entendendo um pouco sobre o poder da narrativa.
A narrativa se divide, virtualmente (e simplificadamente falando), em três partes (que são de fato uma só coisa). Uma sinopse (ou o que se quer contar, a ideia da história em si mesma), a estrutura lógica (que estabelece a cronologia de revelação dos fatos) e a estrutura emocional, que eu gosto de chamar de…
Ponto nº5: NARRATIVA EMOCIONAL, que vai estruturar os momentos em que ocorrem os pontos de gatilho emocionais (ou turning points) aqueles que mudam o direcionamento dos acontecimentos, repentinamente, criando contrastes, surpresas e dinâmicas emocionais.
Indo um pouco mais além (me perdoem se me estendo explicando e confundo demais – eu concordo com o Tom Zé e isso é outra história), existem relações entre a fisiologia do nosso cérebro e o que sentimos, que podem ser manipuladas (excitadas, tensionadas, relaxadas etc), a partir de um jogo de linguagem baseado no movimento das peças “reconhecimento de padrão”, “criação de expectativa” e “recebimento (ou não) de recompensa”. Pensa naqueles filmes em que você acerta o final… e naqueles em que você jura que vai acertar mas na hora H te surpreende. Pensa no cachorro feliz porque sabe que vai ganhar o biscoito. É tipo isso. Essa estruturação tem o poder de nos manter conectados, acordados, curiosos e, por vezes, viciados nesse jogo. Eis um hit!
Ponto nº6: O SER HUMANO AINDA É UM MAMÍFERO!
Por fim, lembre-se de quando você é o expectador. Parece que..parece não, você tem certeza de que o que te emociona é bom demais, pois parece que..parece não, “foi feito pra mim!”. Isso é a famosa conexão! Quando estamos neste lugar, de ouvinte, fã, sabemos perfeitamente quando venerar ou odiar nossos ídolos, certo? Não…a realidade é que isso pouco tem a ver com certo e errado. É gosto. Mas não é individual, é social!! (se não entendeu, fale com a prof. Dani Ribas que ela te explica bem, sério!).
A vantagem disto é que você só é capaz de expressar o que também lhe pertence culturalmente, ou seja, o seu expectador, que é o “outro”, pertence ao mesmo grupo que você, seja no todo ou em parte. O que nos leva a entender que você também é o “outro” e que, entendendo o outro, você entenderá a si mesmo. Assim sendo, apresento o ponto mais difícil dessa equação.
Ponto nº 7: COLOCAR-SE NO LUGAR DO OUTRO.
Fazendo isso enquanto tomamos decisões artísticas e estratégicas, temos mais chances de uma conexão sólida com quem compartilha capitais simbólicos similares aos nossos.
Agora tente unir todos os pontos e boa sorte!
Disclaimer: não, eu não usei esses pontos para escrever esse texto. São duas e meia da manhã e fiz isso sem pensar. Simplesmente joguei muitos conceitos que julgo importantes e não caberiam aqui normalmente. Mesmo sabendo que muitos termos precisariam de longas explicações e contextualização antes de aplicá-los. Parece que eu nem me coloquei no lugar do outro! Sim, me coloquei. Mas resolvi usar o espaço provocar e não para agradar. Podem criticar e vamos debater! Boa leitura.