Como os produtores musicais podem se destacar no mercado
Entrevista por Val Becker (RJ) – Rádio Graviola
Produtor musical consolidado da cena pop alternativa do sul do país, Marcelo Fruet trabalhou com uma série de artistas, como Dingo Bells, Apanhador Só, Pública, Mulamba, Da Guedes, Trabalhos Espaciais Manuais e Chimarruts. Recentemente, começou a realizar alguns trabalhos internacionais de produção e mentoria para artistas dos EUA, Uruguai e Peru, entre outros. Recebeu o Prêmio Profissionais da Música de produtor musical em 2018 e 2019 e é membro da AES International e da The Latin Recording Academy.
1- Marcelo, quando a gente compara a época em que somente as grandes gravadoras tinham condições de bancar produções de discos e o cenário atual, em geral, a gente aponta muito para a realidade de artistas e bandas, maiores facilidades de produção e difusão, etc. Mas, do ponto-de-vista do produtor musical, como você vê o mercado de ontem e hoje e quais os desafios enfrentados pelos produtores musicais para se colocar e se destacar no mercado?
Uma questão importante é que o termo Produtor Musical é muito amplo, o que torna difícil responder essa pergunta genericamente. Acaba tendendo a um ponto de vista, uma subjetividade da experiência pessoal de quem responde. Tem produtor musical que entende muito de música, mercado e tem o feeling da “expressão artística” aguçado, mas não necessariamente vai operar equipamentos e tocar. Ao mesmo tempo tem aquele cara que vai fazer toda a base musical, tocar tudo e entregar pro MC/cantor criar a letra e gravar a voz em cima, podendo mixar esse material ou enviar pra outro técnico/produtor fazer isso. Tem também o cara que “treina” os artistas em vários campos para que consigam avançar na busca de sua identidade, assim como na de uma performance notável. Isso inclui não só o “tocar”, mas a própria criação e expressão das ideias para um nicho que se almeja. Falando a partir da minha perspectiva (e falhando em tentar globaliza-la hehe), eu sinto que estamos em uma época em que a quantidade fala mais alto que a qualidade. Isso está em tudo: nos algoritmos, no dinheiro. Também está no mercado da música! O streaming, que supostamente “salvou” o mercado da música gravada, na verdade paga muito pouco e só ganha bem quem tem milhões de plays, ou seja, ou quem é extremamente famoso ou quem está trabalhando na cauda longa dos ganhos (distribuidoras, selos, gravadoras e provedores de streaming). E não tô querendo dizer aqui que tudo que é popular não tem qualidade. A questão é que a régua que mede “qualidade”, hoje está necessariamente ligada à quantidade, o que torna um pouco mais complexo o desenvolvimento artístico alternativo/avant-gard para um mercado como o brasileiro, por exemplo. Lá fora, a realidade é outra. Hoje em dia, o pessoal tem uma relação mais funcional com a música: playlist pra relaxar, pra tomar vinho, pra fazer esporte, pra viajar, pra meditar, pra dancinha do tiktok etc. Tem sempre algo que detém a atenção principal do consumidor, em torno do qual a música tem uma função secundária. Pessoal não para pra escutar um álbum inteiro mais. Isso mudou tudo. Por outro lado, os custos de produção baixaram muito; os custos de entrada no mercado (divulgação, distribuição, etc.) também baixaram muito. Isso faz com que seja muito mais fácil entrar nesse negócio. Qualquer um que tenha vontade pode tentar. Também sinto que existe uma liberdade criativa maior, por termos todas as ferramentas e conhecimentos disponíveis. No entanto, parece que a cultura de consumo da música tem mudado consideravelmente. E com ela, muda o comportamento dos artistas, assim como das habilidades necessárias para ser um artista de sucesso. Não tem como comparar com o cara dos 60-70, que passava o dia todo fazendo música. É outra realidade. Para resumir, eu acho que tá mais fácil ser um produtor iniciante, tá mais fácil começar a ganhar dinheiro produzindo, mas tá mais difícil ganhar bem o suficiente para realizar um trabalho de excelência que contemple não só o técnico mas o artístico-para-além-do-óbvio. Tem muita gente precisando de produtor, mas tem pouca gente que consegue ver a diferença de um trabalho mais profundo para um mais raso. E a falta de qualidade dos equipamentos de escuta de hoje em dia (celular, etc) interfere nisso, acaba não fazendo tanta diferença assim a qualidade de finalização das tracks. Por outro lado, tá muito mais fácil pra uma pessoa de 13 anos começar a ganhar rios de dinheiro ao produzir bases que acabam viralizando nas mãos de novos artistas, que podem ser a bola da vez do consumo, trends do tiktok etc. Não tem mais filtro impedindo isso. No passado, o mercado de produção nunca abriria para alguém tão jovem. Não seria levado a sério. Hoje isso acontece naturalmente e o próprio mercado reage. Só que é importante frisar que essa pessoa de 13 anos que eu inventei não é um produtor experiente. Seu sucesso tem muito mais a ver com suas ideias e expressividades conectadas com o momento do que com saber guiar outra pessoa rumo ao. Ou seja, eu enxergo ela mais como um artista de bases do que um produtor musical, embora chamem de produtor. Não é à toa que nesses estilos de bases produzidas, quem faz a base assina 50% da autoria da obra, coisa que não acontece com outros tipos de produtores. Enfim, eu gosto de muitas coisas de agora, mas pessoalmente eu gostava muito de fazer álbuns, com conceito e com um investimento decente para a pesquisa no desenvolvimento do álbum. Agora não me falta trabalho, mas sinto tudo mais rápido. Na ascensão e na queda. É sempre bom lembrar! Eu sempre acho doido que acabo insistindo muito pra artistas nesse lance de mercado, mas quando eu penso no meu eu artístico, gostaria de produzir praticamente o oposto heheh… vai ver é por isso que não to produzindo muita coisa minha né! 🙂
2- Você, além de produzir o trabalho de inúmeros artistas, também compõe trilhas para o audiovisual. Que dicas você daria para alguém que quer seguir a carreira de compor trilhas ou sincronizar suas composições no cinema, TV e publicidade?
Para quem quiser seguir na carreira de trilhas, acho muito importante aprender a tocar instrumentos (se mais de um melhor, se piano tiver junto melhora também). Tão importante quanto isso é consumir muita música de diferentes estilos, muito filme e se relacionar com tudo que contenha música. Mais que isso, estudar (ou pelo menos ficar ligado) em tentar compreender a sociedade, suas mudanças, linguagem, valores e tudo mais.
3- Você também atua na educação, fazendo mentorias, palestras, oficinas em diversos eventos e escolas de música. Como você vê a importância de festivais do calibre do TUM para a profissionalização do mercado da música?
Eu venho participando de feiras de música nacionais e internacionais desde 2008 e acho que elas são fundamentais para uma compreensão ampla e objetiva de tudo o que artistas precisam entender, objetivar e se dedicar que não são necessariamente a sua música e seu ego. Acredito que ir na TUM todo ano, por exemplo, pode ajudar sensivelmente a aceleração do desenvolvimento de uma carreira artística. Na feira, a gente é bombardeado por coisas novas, muitas vezes inovadoras. Isso por si só já pode mudar todo nosso funcionamento interno! Também somos bombardeados por informações preciosas, conexões únicas, com pessoas que podem nos ajudar a evoluir, parcerias comerciais, logísticas, de produção, circulação etc. São inúmeros e incontáveis benefícios. Mas o que mais me impactou foi tentar me vender e entender que eu não sabia nada sobre aquilo, mesmo quando parecia que já sabia. Isso acelerou muito a minha carreira: botar a cara à tapa, tomar uma vaca, remar de novo e esperar a onda certa.