Ângela Ro Ro na sua melhor versão

Postado em 30/03/2019, 0:00

Entre tombos, arranhões e muitos mal-entendidos, Ângela Ro Ro exercita mais do que qualquer outro artista brasileiro a arte da ressurreição. Carioca “pentelha” e de “alma baiana”, como se auto define, carrega consigo o mantra da resiliência em quase 40 anos de estrada. Àqueles que deram um ponto final a sua carreira, ela adverte: acostumem-se que dói menos. Vivendo uma de suas melhores fases, a cantora e compositora desembarcou em Florianópolis com sua mais nova turnê, Pilotando o Piano, no Jazzinn Late Night Bar. Conduzido pelas suas memórias musicais, o show é um resgate de seus maiores clássicos, como também de outros cantores. Perto de soprar 70 velinhas ela deixa um alerta: falecer é um verbo que não se conjuga em sua vida. E esbanjando disposição e simpatia, Ro Ro concedeu uma entrevista deliciosa e exclusiva para a É Show Produtora, sem papas na língua, falando de sua trajetória, uma das mais importantes e icônicas da música popular brasileira.

– Você esteve em Floripa em 2011, certo?

Ah, eu nem me lembro para ser sincera, já faz muitos anos eu creio.

– Mas o que te vem à cabeça ao lembrar da cidade?

Ah! O oráculo. O Ostradamus! Comida boa, recepção maravilhosa, os amigos que a gente faz na plateia, que é sempre muito carinhosa. E a comida daí que é uma coisa! Eu não sei se é assim em toda Santa Catarina, porque eu não conheço o Estado. Florianópolis é demais. Primeiro, as praias são lindas, só que quando eu vou a trabalho eu não vou para praia, mas elas são sensacionais, uma mais linda do que a outra. Como é mesmo o nome daquele lugar, aquela pontinha onde fica o Ostradamus?

– Ribeirão da Ilha…

Isso! Ribeirão da Ilha! Eu gosto demais. Sempre quando eu vou a Floripa sou muito bem recebida, a plateia é ótima, esperta, inteligente, sempre muito acolhedora e engraçada. E é isso: Floripa só me traz coisas boas!

– E agora? O que você traz para o público nessa nova visita? Sei que você vem com um companheiro de toda a sua carreira, que é o piano…

Sem dúvida alguma ele será meu companheiro. Eu tenho vários shows, mas esse que vou apresentar aí é o “Angela Ro Ro pilotando o piano”. Olha, primeiro eu vou me ambientar ao piano, sempre pedindo humildemente desculpas porque eu sou uma eterna aprendiz. Como diria o meu maestro e que durante muito tempo foi meu produtor musical, Antonio Adolfo, eu sou uma “pianeira” (risos). Eu não sou uma pianista, eu sou uma pianeira. Vou apresentar desde Janis Joplin, Bee Gees, jazz, um pouquinho de rock, coisas do meu primeiro disco, os grandes sucessos que duram até hoje. Tem bastante coisas do primeiro disco, do segundo, um pouquinho de cada coisa. Aí eu me espalho um pouco no boogie oogie, num rock metido a jazz e assim por diante. A plateia não joga ovo, a plateia costuma gostar (risos).

– E o que, independente do formato do show, não pode faltar?

“Amor, meu grande amor”! É impressionante como essa música não falha. Eu a deixo para o final justamente para fazer aquele impacto. Isso me impressiona mesmo. A letra é de Ana Terra e a música é minha. Essa canção está há 40 anos em cartaz. Agora, tem, por exemplo, tem aquele rock, o “Meu mal é a birita”. Todo mundo adora e tá o povo todo com o coquetel na mão, mas eu vou de água só para maltratar! (risos).

– E por falar em “hora marcada”, como você hoje lida com o tempo?

Eu tenho alma baiana, sabe? Então, o tempo para mim é uma mistura de Keith Richards, dos Stones… “tiiiiime is on my side… yes it is! (o tempo está do meu lado. Sim, está!)”. O tempo está a meu favor. Meu pai era baiano, então eu tenho essa alma nordestina, resiliente, entendeu? Insistente e por isso sobra tempo para tudo. Especialmente para viver!

– E como é viver agora dentro do universo tecnológico, redes sociais e afins? Isso tem te reaproximado do público, seja aquele que já te acompanha nesses 40 anos e, claro, o mais jovem?

Olha, a internet ajuda sem dúvida alguma. Ajuda a divulgar e muito. Eu abranjo não só novos públicos como públicos novos. De qualquer idade, mas que começaram a prestar atenção em mim há pouco tempo, de uns 10 anos para cá. Mas isso tudo eu devo muito aos meus intérpretes mais novos, que cantam a minha obra. São vários que me interpretaram, desde Barão Vermelho, que já não é tão jovenzinho agora. Mas por exemplo: Lucas Santtana, Lirinha (Cordel do Fogo Encantado), Leo Cavalcanti, Thiago Pethit, Tatá Aeroplano, Rômulo Fróes, Otto, Adriano Cintra, Rodrigo Campos, Rael, Gustavo Galo, Helio Flanders. Só esse time aqui gravou um disco inteiro da minha obra, especialmente do início. Que coisa fantástica, gente que não tem nem 40 anos! Tem uns que não têm nem 30. São tão sem-vergonhas (risos). O intérprete vai passando a obra do autor. Porque eu sou autora, compositora e intérprete da minha obra. Então eu já vou levando o meu barco adiante, mas tenho essa colher de chá de ver essa a minha obra se renovar com jovens intérpretes. Acho isso extraordinários e tem outra coisa: intérpretes fabulosas, como Maria Bethânia, por exemplo, que sempre gravaram minhas músicas e colocaram em seus shows. Isso me expande uma forma maravilhosa.

– Das vozes femininas da nova geração, alguma especificamente te encanta?

Nana Caymmi! (gargalhadas) Nana Caymmi e Leny Andrade são as duas da “nova geração” que eu gosto muito (risos).

– Tu sempre despontas como uma voz ativa dentro da música feminina, não só artisticamente, mas socialmente e até politicamente. A cada década você surge, é lembrada, cantada. A cada ciclo da música feminina você está lá. De todos esse ciclos que você já viveu, esse atual, com o ambiente do empoderamento da mulher, do feminismo, te parece diferente?

Meu anjo, a mulher, e não só nesses últimos 40 anos, mas na história se mostra o bicho mais forte e mais sofrido. E não é porque eu seja fêmea não! Difícil achar homens com quem eu trabalho, convivo, graças a Deus. São homens que são superiores à truculência, à violência e ao feminicídio, mas a mulher há centenas de milhares anos é o esteio do mundo. Ela é o alicerce para tudo de bom acontecer. Basta dizer que a reprodução é feita pela gente. Então eu não vejo muita vírgula. Não estou fugindo da sua pergunta não, mas é que 100 anos não é nem um segundo frente à história do mundo. A mulher está cada vez mais vitimada. Uma mulher morre por truculência masculina a cada 10 minutos no Brasil. Isso é um absurdo. Agora, eu não sou muito politizada não, tá? Eu só gosto de liberdade, de democracia e coisas honestas. Mas eu lhe digo, como me disse uma namorada minha, maravilhosa, além e ser resiliente, eu sou fênica. Não são lindas essas duas palavras? Fênica! Eu nunca pensei em usar do fênix e da ressurreição. Dias desses, ela me xingou com tanto carinho de “resiliente e fênica”. Aí eu pensei: “poxa! Eu não sou tanto. Eu sou meia teimosa, pentelha”.

– Mas você mudou também… é fênica, não é?

Olhando bem a minha trajetória, tudo o que eu passei nas mãos das pessoas, com calúnias, difamações, maus-tratos e até maus-tratos a eu própria, eu consegui de uma forma estupenda, com muita humildade, emagrecer sem bariátrica 70 quilos! Eu Larguei vícios, larguei tabagismo e um monte de trecos. Eu padeci muito nas mãos de pessoas, pessoas estranhas, polícias, milicianos e estou eu aqui resiliente e fênica! (risos).

– Tu nunca escondestes as cicatrizes que tu trazes da vida, seja no corpo e na memória. Você perdeu a visão de um dos olhos de um espancamento homofóbico… O momento atual te assusta?

Sim, perdi a visão do olho direito, após ser espancada pela polícia civil do Rio de Janeiro. Foi por homofobia e por tara, porque isso é psicopatia! Então meu amor, olha que eu não sou aquela Marielle. Grande porcaria eu sou! Mas o que me assusta é barulho, susto, isso pode me levar até a um infarto. Agora meu anjo, eu não estou querendo ser pretenciosa, mas está para nascer morto quem vai me assustar! Porque eu tenho fé. Fé e pureza de criança no meu coração. Isso é o amor, a melhor das armas.

– Teu último álbum foi Selvagem, de 2018. Mas o que você planeja para daqui para frente?

Foi Selvagem sim, com o maestro Ricardo Mac Cord, que é meu companheiro há quase 30 anos. Agora começamos a comemorar os 30 anos de carreira dele e os meus 40 anos de trajetória. E foi ótimo (gravar Selvagem), a gente fez no apartamento dele, uma coisa engraçada. Lançamos pela Biscoito Fino e vou levar alguns para vender no show aí no Jazzin. É interessantíssimo meu amor,  porque foi feito em Ipanema, na sala do apartamento do maestro que fica no primeiro andar. Não vazou nada! Tá super bem feito. Mas hoje como está difícil de vender discos. Desculpa a minha falta de modéstia, porque modéstia não cabe à minha obra. Ela é muito boa! Eu posso ser uma cafajeste, uma porcaria, mas a obra é intocável! (gargalhadas).

– Mas para essa efeméride de 40 anos, há algo especial a ser trabalhado?

Ah, eu tô por aí, meu amor, fazendo meus shows para pagar as contas. Os 40 anos estão começando agora. Na realidade, o primeiro disco (Amor, Meu Grande Amor!) saiu no final de 1979, mais precisamente de dezembro daquele ano para janeiro de 1980. Na realidade, eu começo agora em 2019 e entro em 2020 ainda festejando.

– Tu imaginas um filme sobre Ângela Ro Ro?

Olha, eu espero estar ausente quando fizerem isso (gargalhadas). Eu não tenho muita confiança nisso não, porque eu vejo que em vida já me fizeram o diabo, com fofocas e tal. Até hoje me enchem o saco. As pessoas não têm o que fazer da vida e fica, então ficam enchendo o saco da vida alheia. Um filme seria muito bom, eu gostaria inclusive de participar, agora que eu estou bem de saúde, tô bonitinha, tô vestindo bem, tô cantando. Seria bacana, mas eu não tô muito preocupada com isso. E se algum dia eu fizer aquele verbo chamado “falecer”, porque, pelo que eu vejo na minha vida, eu tenho dúvidas de que irei conjuga-lo, aí eles podem sentar o pau, jogar o meu nome na lama mais ainda. Sempre fazem umas coisas horrorosas, é sempre muito difícil fazer um filme de bom gosto sobre a vida das pessoas sem um teor de maldade, malícia e fofoca. Portanto eu não tô muito interessada nesse assunto não e ninguém tem coragem de fazer enquanto eu estiver viva. Vão esperar mais uns 100 anos, tá? Não é pretensão. É sinceridade!