TUM entrevista: Paulo André, criador do Abril Pro Rock

Postado em 09/09/2019, 0:00

“Eu vim de Recife para conectar os catarinenses”

Senta aí que lá vem papo e dos bons. Por isso, não cabe aqui desatar uma cantilena de argumentações neste abre para introduzirmos ao universo do presente entrevistado: Paulo André Moraes Pires. Ou simplesmente e totalmente Paulo André, uma entidade da música nacional, criador do festival Abril Pro Rock, de Recife, um dos caranguejos com cérebros e motores do movimento Manguebeat, que sacudiu o Brasil naqueles efervescentes anos 1990 e nos apresentou Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Devotos e toda a sorte de mudanças estéticas, artísticas e culturais que vieram no pacote daquela “virada de mesa”.

O primeiro contato com Santa Catarina foi em 1998, quando levou para o Abril Pro Rock a banda Stonkas e Congas, de Florianópolis. Anos depois passou perto, pela BR-101 quando levava uma banda para tocar em Porto Alegre. Só sentiu a vibração do solo neste ano, mais precisamente agora em setembro, quando veio a convite do Festival de Música de Itajaí e numa breve pernada em Florianópolis para lançamento do TUM Sound Festival – que também se fará presente em outubro para participar de painel e das rodadas de negócios.
Se disse muito feliz por chegar no momento certo, de efervescência do cenário da música brasileira (“É a melhor resposta que a música brasileira poderia dar a essa situação de vergonha internacional ao qual o Brasil está passando”), dos festivais e especialmente em Santa Catarina – “eu vejo aqui aquele mesmo sentimento de virada de mesa que eu vivi nos anos 90 lá em Pernambuco”. Querido, simples e sem meias-palavras, Paulo André conversou sobre muita coisa: mercado, resistência, conexões, cena musical e até nos presenteou com uma boa nova: a escalação da banda metaleira Red Razor, de Floripa, para a 28ª edição do Abril Pro Rock, em 2020. Depois de 22 anos, Santa Catarina se fará presente naquele palco cobiçado, mas com o devido barulho e responsa: “eles são a nossa aposta!”.
Muito foi dito por ele para o deleite de vocês. E muito já nos estendemos por aqui. Fica o registro do agradecimento à parceria entre o site TUM Sound Festival e o portal Rifferama na publicação desta entrevista porrada, véio!

Abril Pro Rock/Divulgação

– Quando se fala em música de Santa Catarina quais as tuas impressões? O que chega até você?
Paulo André – Cara! Para ser muito honesto, em 1998, a gente levou os Stonkas e Congas (banda de reggae de Florianópolis) para o Abril Pró Rock. O que sempre se ouvia falar em Santa Catarina era o Dazaranha e parecia que não havia vida depois deles – com todo o respeito a banda, uma banda daqui que conseguiu se projetar para fora. Mas cara, eu estou muito impressionado que eu estou em Itajaí, no festival de música da cidade que acontece há mais de 20 anos. Eu dei uma oficina lá e fiquei impressionado com o interesse de um público em se tornar produtor, empreendedores da música, e fico muito feliz também em ver uma conferência como o TUM. Porque essas conferências são basicamente as pessoas certas, no lugar certo, na hora certa. Eu divido a música em duas: a que paga jabá e a que não paga jabá. A gente tá falando aqui de uma música brasileira que não paga jabá, mas ao mesmo tempo ela é reconhecida no mundo inteiro! Neste momento, no mês setembro, nas paradas de world music da Europa, que é a World Music Charts Europe, tem três artistas brasileiros entre os mais tocados: a Dona Onete, do Pará, é a número 1, a cantora baiana Luna está em décimo lugar e uma a coletânea de músicas do Pará chamada Jambu (E Os Míticos Sons da Amazônia) em décimo-quarto lugar. É a melhor resposta que a música brasileira poderia dar a essa situação de vergonha internacional ao qual o Brasil está passando.

– Então, já que você citou a questão dessas conferências de música, que é também é um fato novo que se consolida neste momento no cenário musical do país. Como você enxerga esse protagonismo?
Paulo André – O objetivo dessas conferências é basicamente conectar. Eu estava em Itajaí e lá encontrei a Ivanna (Tolotti, idealizadora do TUM Sound Festival) e quando ela me convidou para vir (no lançamento do TUM, ocorrido em 3 de setembro) eu disse “faço questão de ir, eu estou aqui para isso, para trabalhar, e o que eu puder fazer para ajudar conte comigo”. Na ocasião eu conheci a moçada da Terravista (banda de Itajaí), e que nunca tinha tocado em Floripa. Aí eu disse: “vocês têm que ir, nem que seja um de vocês” e acabei trazendo a banda quase inteira. Eu havia passado quatro horas com eles dando uma consultoria, falando sobre o mercado e eu disse que eles tinham que ir para o TUM, mesmo que vocês não toquem na conferência. Não vão tocar nesse ano, mas tocam no ano que vem.
Eu faço parte da cena musical dos anos 90 de Pernambuco e assim se faz a construção de uma cena: com união, com diversidade, mas principalmente trazendo os atores nacionais e internacionais para ver nessa cidade linda e maravilhosa a música que é produzida aqui. Infelizmente o Brasil não usa a música como um vetor de atração turística. Florianópolis é um destino turístico impressionante, aparece na mídia nacional, mas sempre naquele clichê: a ponte (Hercílio Luz), as praias, as mulheres lindas. Mas nesta minha vinda a Florianópolis eu estou com um sentimento de virada de mesa, com o Festival de Música de Itajaí e agora o TUM trazendo essa galera. Eu nunca tinha vindo a Florianópolis, conheço quase 600 cidades no mundo. Eu passei por aqui de ônibus com uma banda indo para Porto Alegre. Nem paramos e agora eu venho para uma conferência, participar de rodadas de negócios, ver shows e viver a cidade durante três, quatro dias, cara. Eu fico muito feliz porque o Brasil é grande e diverso e Santa Catarina não merece esse certo isolamento que acontecia. O meu sentimento é que o TUM veio para quebrar e diminuir essa distância.

Sobre esse sentimento de virada de mesa que você percebe agora. Foi algo que vocês viveram na década de 1990 no Recife, com o movimento mangue beat, o próprio surgimento do Abril Pro Rock. Aquilo foi uma virada de mesa. O que foi o sentimento naquela época e o que é hoje, dentro desse contexto político e atual do Brasil que me parece ser propício para isso também?
Paulo André – Desde os anos 70, quando a geração da MPB se projetou com Alceu Valença, que estará no TUM, Geraldo Azevedo, Lula Cortes, Zé Ramalho, que é paraibano, mas comungou da cena udigrudi dos anos 70, que nada surgia de uma gigante do país que é o Norte e o Nordeste. E aí eu faço parte dessa geração do manguebeat, como você bem colocou, que virou a mesa, sem apadrinhamento, sem nenhum tipo de incentivo e ainda na época das gravadoras. Que era uma época bem triste, porque quando eu comecei o meu festival a gente não tinha internet, recebia fita k7 demo e eu ouvia tanta coisa bacana no Brasil, mas só cinco caras decidiam o que iria ser gravado e lançado, que eram os cinco diretos das gravadoras majors. Eu não sinto falta deles. O meu festival é de 1993 e inspirou o surgimento de outros festivais no Brasil e a gente nunca produziu tanto. O Brasil nunca teve tantos festivais independentes. Eu sou de uma geração que não tinha palestra de economia criativa, de produção cultural, comunicação pública, não tinha conferência de música independente. E hoje eu tenho o maior prazer em falar para essa gurizada jovem, que tá tentando viver da música, porque é o futuro, é a renovação. Eu não tive isso e tô proporcionando isso pra galera.
Então vivenciar agora uma virada de mesa, na minha opinião, em Santa Catarina, nesse papel que o TUM tem de agregar e juntar a galera certa, no lugar certo e na hora certa. Uma coisa é você receber o material de uma banda por e-mail, pelos correios, outra coisa é você estar nessa cidade maravilhosa, vivenciando a cidade e podendo acompanhar um showcase ali ao vivo tem outro sentimento, né? E aí eu acho que a música agora da atualidade está sendo marcada mais do que nunca por uma diversidade, a tecnologia.

Nisso a citação aos “caranguejos com cérebros e a antena parabólica enfiada na lama” do manifesto Manguebeat, lá atrás, soa profético, não?
Paulo André – É isso aí. Os “caranguejos com cérebro” e a “parabólica enfiada na lama” eu acho que faz parte de uma última geração de bandas brasileiras que não contou com a internet nem para se promover nem para se comunicar. E agora a gente está diante de uma geração que pode gravar um clipe a partir de um celular, mas tem essa questão da conexão que é muito importante.

E a tua expectativa com o TUM?
Paulo André – O Fernando, da Casa da Música (complexo cultural público sediado na cidade do Porto, em Portugal, e que se estará presente no TUM Sound Festival), que é muito meu amigo, tô feliz em encontra-lo aqui e não vejo a hora de voltar a Florianópolis. Conheci os meninos do Terravista e perguntei se eles já haviam tocado em Florianópolis. Eles disseram que não. Eu disse “cara, o meu brother (Guilherme) Zimmer é sócio de uma casa (JazzInn) e a Ivanna está fazendo essa conferência”, então eu os apresentei. Eu vim do Recife para conectar os catarinenses, no bom sentido! Eu disse que eles têm que ir, se inscrever nas rodadas de negócios. Se não der para tocar, tem que marcar presença. E aí eu citei o post de um amigo meu baiano, o Rogério Big Brother que faz o festival Big Bands em Salvador e que é da minha geração. O festival dele acontece em alguns finais de semana diferente e ele postou algo assim: “nenhuma das bandas da cidade (Salvador) que se propuseram a tocar apareceram na primeira noite. É bom saber, porque vão continuar não tocando.” Então uma cena é feita da interação entre as pessoas, delas se unirem e se frequentarem. Não só na música. Não adianta tu teres uma banda, tu tens que conhecer os diretores de audiovisual, os grupos de dança e artes cênicas, porque todos eles precisam da música. Falo por experiência própria, a gente precisa chutar o pau (da barraca), virar a mesa para que a coisa comece.
A minha percepção nesses dias que eu passei aqui (Itajaí e Florianópolis) é que há uma cena. Todas as noites eu tô indo no Mercado Público de Itajaí ver músicos incríveis. O que é que uma faculdade de música não faz em termos de formação, não é? Mas não adianta só tu formar e ter músicos incríveis se a galera não consegue sair. Aí entra o papel de uma conferência de música, a importância de um TUM em fazer a conexão com os brasileiros e com os internacionais. E eu não tenho dúvidas de que eu vou viver grandes dias aqui agora no início de outubro.

– E sobre o Abril Pro Rock. Como é que você o vê hoje e qual o caminho que o festival trilhará daqui para frente?
Paulo André – Cara, a gente ainda não divulgou nenhuma banda do Abril Pro Rock de 2020. A gente sempre teve um dia dedicado ao rock pesado. Dentro do universo da música pop o público do metal, do punk e do hardcore é o mais fiel. Ele não só compra o ingresso pro show, mas ele compra a camiseta, o vinil, o adesivo. Ele veste a camisa, ele paga ingresso e sai de longe para ver as bandas. Então a gente investiu em atrações internacionais de pequeno e médio porte e a gente consegue ter público de mais de 50 cidades do Nordeste que gastariam muito mais para ver a banda dos sonhos aqui no Sul e Sudeste, onde as bandas transitam mais, né? Então a gente acabou pegando essa veia desse público que é o nosso público mais fiel e assim a gente movimenta a região Nordeste.
Então eu vou soltar para você em primeira mão que a primeira banda confirmada para o Abril Pró Rock 2020, que é a nossa 28ª edição, é uma banda catarinense de thrash metal chamada Red Razor, de Florianópolis. O Alcides, meu parceiro e curador e que tem um selo, me disse falou sobre uma banda catarinense de thrash metal que está planejando uma turnê pelo Nordeste em novembro e me enviou uns links de discos e apresentações ao vivo. E se o festival se interessar pelo show deles eles adiariam a turnê para abril do ano que vem. E eles serão uma das nossas apostas para 2020. O importante é que está todo mundo aí produzindo.

Dias atrás, a banda Devotos (ex-Devotos do Ódio) foi homenageada na Assembleia Legislativa de Pernambuco pelos seus 30 anos de história. Um reconhecimento que emociona e remete à toda essa luta que vem lá dos anos 1990 e que também me fez lembrar do Chico Science e a falta que ele faz.
Paulo André – Eu lamento muito, tenho muitas saudades do Chico, não só como artista, mas como amigo. Ele era um cara que poderia contribuir muito para a música brasileira lá fora. A gente ia para a nossa primeira turnê do Chico Science e Nação Zumbi em 1995, quando o mundo inteiro ainda tinha uma percepção que o Brasil era samba, MPB e bossa nova. E a gente foi para lá com uma música que era inclassificável: era o maracatu, o coco de roda e a ciranda reprocessadas com as influências do pop, que o Chico tinha essa sacada. Mas o Otto taí, o Mundo Livre tá aí – que em 2009 fez seu primeiro show em Florianópolis, no John Bull Pub. Eu não pude vir, mas fiquei super feliz de abrir o mercado catarinense para uma banda que eu trabalhava. Eu não tenho o perfil de trabalhar com bandas tão comerciais pagadoras de “jabás”. Eu prefiro trabalhar com aquelas com trabalho autoral, que militam, mas que tenham também um potencial internacional.
Eu fico muito feliz de ver, por exemplo, um grupo de moças percussivas (se refere à grupo catarinense Cores de Aidê) e principalmente desse tema da diversidade, de estarmos juntos. Essa temática da diversidade nós levamos esse ano para o Abril Pro Rock que teve uma noite só feminina, com a Pussy Riot da Rússia, a Letrux, o Coco de Umbigada, as meninas da Arrete, 808 Crew que trouxeram o RAP da periferia, com um discurso feminista. A gente tem que acolher cara, tem que acreditar nesse pessoal. Eu sou de uma geração que virou a mesa de duas comunidades: Peixinhos, da periferia de Olinda, de onde vem a galera da Nação Zumbi, e Alto do Zé do Pinho, do Recife, de onde Devotos, Faces do Subúrbio, Maracatu Nação Estrela Brilhante, entre outros. Até o iniciozinho dos anos 1990 você só ouvia falar dessas comunidades em programas policiais, sempre associadas à violência. Essa virada de mesa veio com a cultura. Essas comunidades passaram a ser reconhecidas como berços de cultura. E não só isso, mas aparecendo nacionalmente na televisão. A MTV foi para Peixinhos e Alto do Zé do Pinho, a Band também foi, e a comunidade começou a ver.
Você citou esse episódio da Assembleia Legislativa de Pernambuco celebrando os 30 anos dos Devotos e eu digo para o Canibal (vocalista e fundador da banda) que ele é um líder comunitário nato. Ele não precisa ser eleito pela comunidade. Ele já é um cara que leva o nome da comunidade para o Brasil inteiro. Cara, o Brasil conheceu Peixinhos e o Alto Zé do Pinho por causa da música. E aí traçando esse paralelo com Santa Catarina eu vejo um momento da gente se juntar. Nesse momento político adverso do país é um momento para a gente resistir, para a gente produzir, justamente em um momento com mais festivais nesse país. Eu venho de uma geração que tinha essas bandas que eu citei, especialmente o Chico Science e Nação Zumbi, que não gozava nem de um calendário e muito menos de um circuito de festivais independentes no Brasil. Hoje temos um calendário e um circuito de festivais em todo o país.

O Mapa dos Festivais no Brasil fala em mais de 1,7 mil eventos do gênero no Brasil, sendo que o próprio estudo aponta que esse número representa uma fração de 60% do total.
Paulo André – Então cara, é isso. É preciso trazer essa galera para cá (Santa Catarina) para viabilizar a circulação dos artistas catarinenses. Quando a Ivanna me convidou eu falei que iria com o maior prazer. E eu estou aqui e tô muito feliz!